AS MULHERES ESTEJAM CALADAS
AS MULHERES ESTEJAM
CALADAS
(FILIAÇÃO DE PASTORAS)
Pastora, Maria Valda na
GRACE INTERNACIONAL - BRASIL - S. PAULO.
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AS MULHERES ESTEJAM CALADAS
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João Pedro Gonçalves Araújo*
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(Texto divulgado a
propósito da decisão sobre filiação de pastoras na OPBB-DF. O texto é longo,
mas vale a pena ser lido. Publicado na revista Fragmentos da Cultura)
RESUMO
Proibidas de falar nas reuniões públicas em suas
igrejas batistas no século dezenove no Brasil, a presença feminina na igreja,
suas demandas e reivindicações acabaram forçando que o grupo revisasse suas
próprias decisões e pontos de vista sobre o silêncio feminino aqui instituído.
Como parte do protestantismo puritano, os batistas nas novas terras das
Américas herdaram práticas europeias de distinção, isolamento e interdição
sobre a mulher praticada em suas terras. Em virtude do auto entendimento de um
povo chamado, se lançaram à tarefa de levar suas crenças a todos os povos.
Naturalmente que essas crenças estavam baseadas em pressupostos históricos que
seus pais herdaram de sociedades civis e religiosas. Dentre essas práticas
incluem-se os interditos e tabuizações sobre os candidatos a membros de suas
igrejas, e, de forma ainda mais acintosa, sobre a mulher, seus passos,
crenças e sentimentos. Mas como silenciar está muito além do ignorar, o artigo
examina e expõe mais particularmente as pressões e impressões que diferentes
pessoas tinham e mantinham dentro da comunidade. Impor silêncio é mais que
anular ou ignorar a presença da mulher. É, antes de tudo, o reconhecimento da
presença e de uma possível força que surgia dentro do grupo. Além disso,
representa uma tentativa de resolver o problema que já não se podia fazer de
conta que não existia, ou seja, responder às indagações as mulheres que queriam
falar e daqueles que defendiam que elas falassem na igreja. Sendo praticamente
maioria no grupo, as mulheres precisavam ser visitadas, tarefa que exigia a
criação de uma comissão de visitadoras e o consequente relatório da visita
feita. Para tais visitas, o marido indicava a sua mulher, e, ao voltar,
relatava ao marido o resultado da visita. Na reunião da igreja, o marido
relatava o que a sua mulher havia dito em particular para ele, em casa. O
artigo também mostra que o homem-marido, ao indicar sua esposa, assume a voz de
mando, mas, ao dar relatório da atividade feminina, assume o lugar e funções do
feminino na comunidade.
Palavras-chave: mulher, batista,
indicação, silêncio, dominação.
INTRODUÇÃO: -
Não é novidade que
as religiões, salvo algumas exceções, tendem a tratar as mulheres com reservas
ou até mesmo deixá-las alijadas das suas cerimônias. Mesmo uma religião que se
propõe libertadora, como o cristianismo, tem atitudes misóginas, excludentes e tabuizadoras
quando o assunto é mulher. Talvez por citar versos da Bíblia como
corroboradores de suas atitudes, o tratamento que o cristianismo dá para as
mulheres seja ainda dominador.
Protestantes e
católicos, a despeito da sua propalada diferença, têm mostrado atitudes
semelhantes de afastamento das mulheres de suas reuniões, participação em
ministérios ou igualdade nos direitos com relação aos homens. Elas já foram
proibidas de cantar durante as celebrações, colocadas em salas separadas dos
homens na hora dos serviços religiosos, já lhes foram destinadas uma ala só
para elas, e, somente no século XIX a mulher pôde orar em voz alta em uma
reunião das igrejas protestantes.
Buscar as possíveis origens de tais práticas pode
tornar-se uma atividade didática para os tempos atuais. Reconstituir e
reconstruir a história dos alijamentos e tabuizações da mulher nas reuniões e
ministérios da igreja cristã pode ajudar a entender as práticas atuais nas suas
diversas igrejas e divisões. Entender ou reivindicar que tais práticas têm
bases bíblicas pode parecer uma boa justificativa e até ter o charme de uma
interpretação ortodoxa, mas a base bíblica ainda não é um caminho seguro.
Primeiro, as diversas crenças dos crentes são determinadas mais histórica e
socialmente que através da Bíblia. Na verdade, as práticas no meio da
cristandade são construídas a partir de circunstâncias históricas e só depois
se procuram versos da Bíblia na busca de justificar tais práticas.

Pra. Maria Valda em Ijuí - RS.
[Na Terra dos Machões]
Ao longo da história os cristãos acharam muitos
versículos que fundamentaram a matança dos habitantes no continente americano.
Inúmeros versículos também serviram para a justificação da escravidão dos
negros na África. Usando a mesma Bíblia, os protestantes já foram contra o
divórcio; depois se tornaram a favor. Muitos conhecem, em virtude disso, as
calorosas discussões e os anátemas recíprocos entre cientistas e religiosos
quando aqueles, em virtude do crescimento do conhecimento humano, faziam novas
descobertas, experimentos ou teorizavam acerca de um saber. A centralidade da
terra no universo, sua quadratura e a hierarquização em sentido descendente das
criaturas logo se chocaram com o heliocentrismo, a forma esférica e a teoria
darwiniana são exemplos suficientes para demonstrar o que venho afirmando.

Pastoras: Maria Valda e Jakceli Ferreira em Cambuí - MG
O que o cristianismo faz no geral, seus milhares de
vertentes o fazem no particular. Para exemplificar, tomemos um ramo cristão,
desenvolvido no calor do iluminismo europeu, os batistas. Quando os adeptos
desse grupo davam bastante ênfase na direção interior do Espírito Santo na vida
do indivíduo, chegaram mesmo a negar àqueles que tinham estudado teologia a
oportunidade de pregar em suas igrejas. Naquele tempo – século XVII – a
pregação deveria ser feita por qualquer pessoa que trabalhasse durante o dia e
não que passasse as horas de trabalho em um escritório da igreja ou em sala de
aula de uma instituição teológica. Não satisfeitos com isso, ainda proibiam que
o pregador leigo fosse para o púlpito portando uma Bíblia. Segundo acreditavam,
Deus tinha que dar toda a orientação, desde o texto bíblico totalmente decorado
até a entrega da mensagem, que deveria ser pregada de forma totalmente
espontânea.
[…] a seita atribuía
o poder disciplinador predominantemente às mãos dos leigos. Nenhuma autoridade
espiritual podia assumir a responsabilidade conjunta da comunidade perante
Deus. A influência dos anciãos leigos era muito grande até mesmo entre os
presbiterianos […] os batistas lutaram contra o domínio da congregação pelos
teólogos […] O domínio dos leigos, em parte, encontrou expressão numa oposição
a qualquer teólogo e pregador profissional. Somente o carisma, e não o
treinamento ou o cargo deveria ser reconhecido**, (WEBER, 2008, p. 222).
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Alguma Pastora, trazendo a Palavra cercada de Homens.... |
Essa denominação, aliás, quando ainda pequenos e
perseguidos na Europa, exigiam que um candidato a membro fosse convertido,
adulto e que não fizesse parte de qualquer esfera da burocracia governamental,
dada a ojeriza que nutriam a qualquer forma de poder. A rejeição a toda forma
de poder fez com que acreditassem numa democracia e igualitarismo radicais.
Deus era o único que teria poder sobre a igreja. O líder obedecia à voz de Deus
sentida ou compreendida pelo povo. A voz povo, então, era a voz de Deus. Quanto
à administração de suas igrejas, dirigiam seus negócios por um sistema que se
aproximava do presbiterianismo. Com respeito à salvação, oscilavam em duas
posições: os batistas gerais e os particulares. Aqueles acreditavam a morte de
Cristo teria sido por todos os homens; estes, afirmavam que ele tinha morrido
apenas pelos eleitos. O mesmo grupo, se é que ainda podemos considerá-los um
grupo apenas, divergiam quanto à forma de batismo atual, pois eram
aspersionistas.
Somente com a travessia do Atlântico a partir do
século XVI que algumas de suas doutrinas como são conhecidas no início do
século XVI se tornaram hegemônicas. O aspersionismo perdeu força e o
imersionismo se estabeleceu definitivamente como uma de suas marcas mais distintivas.
Os batistas gerais se tornaram mais populares que os da ala calvinista
(particulares); do sistema presbiteriano de governo, passaram para a forma
atual do congregacionalismo. Mudaram também suas crenças quanto à natureza e o
instrumento da pregação. O leigo perdeu espaço para o homem bem letrado,
estudioso das Escrituras, o teólogo com tendências intelectuais e de classe
média. Sem teologia é impossível pastorear.
Diaconisa e Professora da EBD: Danielle Ferraz da ADMEP - Rio de Janeiro
Para todas essas práticas, tanto as atuais, quanto
às suas contrárias que foram abandonadas, reformuladas ou substituídas, havia
uma infinidade de versículos-prova que as justificavam e conferiam um ar de
serenidade, seriedade, infalibilidade e eternidade. Provavelmente nos mesmos
períodos históricos outras denominações afirmassem outras doutrinas com
praticamente o mesmo número de citações bíblicas. De igual mesmo entre as
diferentes denominações, só a auto reivindicação de que o seu grupo é o mais
certo, o mais ortodoxo e o mais fiel intérprete das Escrituras. Não à toa os
sociólogos da religião consagraram o termo seita para essas igrejas que
insistem a afirmar que, a despeito de tantas outras denominações e crenças, a
sua é a única denominação fiel e digna de confiança no uso, ensino e citação
das Escrituras.
Pra. Maria Valda na Igreja da Taquara - RJ |
O Fim do Livre Arbítrio |
Quando os missionários norte-americanos vieram para
o Brasil trazendo sua mensagem, trouxeram também algumas práticas que se
perpetuaram nas igrejas brasileiras. Alheios às questões transitórias e
históricas das doutrinas bíblicas vistas em suas terras, acabaram por praticar
e ensinar aqui exatamente as práticas que aprenderam lá. Uma dessas, a
proibição do uso da voz pela mulher na congregação merece uma reflexão mais
aprofundada. É o que nos propomos a fazer aqui.
É preciso entender, porém, que o silêncio da mulher
está dentro de um contexto maior. Logo, antes que examinemos essa doutrina
particularmente, precisamos analisar rápida e superficialmente as práticas
missionárias da aceitação de uma pessoa na igreja, independentemente de ser homem
ou mulher. A partir do livro de Atas de uma das primeiras igrejas batistas do
Brasil, a de Salvador, 1882, constatamos que o ingresso de qualquer um grupo
era precedido de um exame rigoroso. O candidato a membro precisava mostrar
diversas qualidades morais que o qualificasse como bom candidato.
Lembro, novamente, que essas práticas, ainda que
respaldadas por diversos textos escriturísticos, tinham, antes, um fundo
histórico e cultural. Quem nos ajuda a perceber tais procedimentos como históricos
é Max Weber. Durante os meses passados nos Estados Unidos em 1905, esse autor
percebeu os rigores que as igrejas norte-americanas tinham para a aceitação de
uma pessoa nas diversas denominações daquele país. Ele notou que a membresia
estava diretamente ligada a aspectos sociais e propagandísticos. Um bom membro
era a melhor propaganda da igreja diante da sociedade.
Pra. Maria Valda - Pregando na Igreja em Cambuí - MG |
As seitas […] uniram
os homens através da seleção e criação de companheiros crentes eticamente
qualificados […] A seita controlava e regulamentava a conduta dos membros exclusivamente no
sentido da probidade formal e do ascetismo metódico […] o
sucesso capitalista de um irmão de seita, se conseguido legalmente, era prova
de seu valor e de seu estado de graça, e aumentava o prestígio e as possibilidades
de propaganda da seita (WEBER, 2008, p. 225).
Logo, cuidar que cada filiado ou candidato à
filiação a uma igreja tivesse uma vida digna é essencial para o respeito da
seita e para a manutenção do status que o grupo tinha adquirido naquela
sociedade. Vem daí os rigores no exame e vigilância de cada candidata a membro
de uma igreja. Se for necessário mostrar altas qualidades para a filiação,
maiores rigores eram exigidos depois de aceito.
O membro da seita
precisava ter qualidades para ingressar no círculo da comunidade. […] Para
manter sua posição nesse círculo, o membro tinha de provar repetidamente que
era dotado dessas qualidades, que estavam sendo, constante e continuamente,
estimuladas nele. Como a sua bem-aventurança no outro mundo, toda a sua
existência social neste mundo dependia de sua capacidade de submeter-se à prova
(WEBER, 2008, p. 224).
Esses rigores eram praticados abertamente. O
candidato a membro se sujeitava a ser examinado por todos e diante de todos em
uma cerimônia pública onde qualquer membro já anteriormente aceito poderia
questionar qualquer coisa. Em uma igreja batista típica, por exemplo,
[…] a admissão à
congregação batista local só é feita depois dos exames mais cuidadosos e das
investigações detalhadas sobre a conduta, que remontam à infância, (Conduta
inconveniente? Frequência a tavernas? Dança? Teatro? Joga cartas? Falta de
pontualidade nos compromissos? Outras frivolidades?) A congregação ainda seguia
rigorosamente a tradição religiosa (WEBER, 2008, p. 214).
Analisar o contexto da filiação batista é
revelador, pois esse grupo se considera um dos pais da luta e conquista pela
liberdade do indivíduo diante do Estado e da Igreja. Esse grupo entende que o
homem nasceu livre e que essa liberdade é um dom divino, inalienável. Essa
ideia é uma proposta útil e utilitária para o cristianismo. É necessário que
haja liberdade de expressão e de crença para que os pregadores cristãos
desempenhem suas funções. Em um Estado centralizador, ou onde vigore os rigores
de uma religião hegemônica o sucesso do cristianismo fica comprometido. Para
conseguir seus intentos, os cristãos precisam lutar ou sabotar o sistema
vigente para poder ser disseminado. Pregar, portanto, supõe algumas condições
básicas: liberdade religiosa, liberdade de expressão individual e alguma
intelectualidade para entender a mensagem cristã. Foi em virtude disso que o
protestantismo em geral sempre lutou pelas liberdades individuais e a separação
da Igreja do Estado. O homem é livre e soberano para escolher, segundo afirmam.
Daí também entender-se que o protestantismo e o liberalismo são dois lados de
uma mesma moeda.
O patrulhamento congregacional chega mesmo a
determinar a intelectualidade do sujeito. O protestantismo teve no livre exame
das Escrituras e no sacerdócio de cada crente um dos principais lemas em
contraposição ao catolicismo. O homem, livre que era também tinha o direito de
possuir sua própria Bíblia, lê-la e interpretá-la de acordo com os cânones da
razão. Sendo sacerdote de si mesmo, não precisava de instâncias reguladoras ou
interpretativas das Escrituras. Ele era um livre pensador. Dentro da igreja,
porém, ele aprenderá que não é mais tão livre quanto lhe disseram. Logo ele
concluirá que o conhecimento bíblico não é imediato, mas mediatizado pela
interpretação oficial e oficializante da igreja. Ele saberá o que deverá saber.
Se se lembrar, notará íntimas afinidades com o catolicismo que reivindicava ser
a Igreja a única a ter uma interpretação correta da Bíblia. O catolicismo ao menos
tinha uma única interpretação vinda do papa. O protestante terá tantas
interpretações quantas forem suas muitas igrejas. Pior, cada uma afirmará sua
posição contra a posição das outras.
O indivíduo, uma vez aceito, terá comprometido a sua
liberdade individual. No contexto da igreja, membresia e livre arbítrio são
incompatíveis. Teixeira captou muito bem essa relação quando assim se
expressou: “o uso da liberdade individual perante Deus só é possível se o homem
não pertence à Igreja. Fora dela, o homem pode aceitar ou não a salvação [...]
Dentro dela, só lhe resta um caminho: o de anular-se para que seja possível sua
total submissão à instituição” (TEIXEIRA, 1975, p. 189). Aparentemente
demasiada a afirmação de Teixeira, contudo, sabendo-se dos procedimentos da
igreja em relação àqueles que foram aceitos, vê-se que o rigor aumentava.
Tornar-se membro poderia significar muitas coisas, principalmente, ser vigiado.
Peter Berger (1977, p. 193) escreveu que as “instituições [...] reservam-se
o direito de não só ferirem o indivíduo que as viola, mais ainda o de
repreendê-lo no terreno da moral [...] Geralmente exprime-se num estímulo
bastante eficiente, representado pela sensação de vergonha e, por vezes, de
culpa, que se apossa do infrator”.
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Pastora Maria Valda da ADMEP - RJ |
Algumas práticas da igreja fundada em Salvador e
por mim estudada demonstram algum tipo de vigilância: a chamada nominal dos
membros para as suas reuniões – principalmente as de negócios, e exigência de
justificação em caso de ausência. No caso dos faltosos, a igreja nomeava uma
comissão para visitação desses faltosos. Outra medida: tomada de endereço de
todos os membros para se manter o fiel sob os olhares da liderança. Em 03 de
janeiro de 1884 (Ata 17ª, 8ª Sessão ordinária) foi decidido na igreja em
Salvador “[...] tomar o nome da rua e numero da casa e nome dos membros para
serem chamados nas secções ordinárias, e deve dar cada um noticia de si, ao
menos uma vez por mês”. Três meses depois, 07 de abril de 1884 a igreja
reconheceu a dificuldade da presença daqueles que moravam longe do local do
culto. A visita implicava também em trazer um relatório para a igreja do que
foi feito, conversado e o resultado: “[...] A comissão encarregada de ir ao
irmão Pacífico Alves do Ó, apresentou motivos justos de desobediência pessoal
d'este para com a Igreja [...]” (PIBB Ata 111ª, 42ª seção ordinária,
06/09/1886). Os casos de faltas poderiam ser julgados como negligência, como
aconteceu em 02 de maio de 1887 (Ata 127ª, 50ª Sessão ordinária), fato que
justificou a criação de uma comissão de visitar a tal de Diomedes. Pensar ou
agir de forma diferente do esperado era considerado desobediência e heresia,
casos punidos com a exclusão: “[...] Foi cortado da Igreja o irmão Pedro do Ó,
por heresias e rejeição da autoridade da Igreja, (Ata 156ª - 65ª secção
ordinária, 02/01/1888)”.
O Rigor do Exame
Os registros deixados nas Atas da igreja de
Salvador são elucidativos. Ali, os candidatos a membros são descritos como
tendo sido ouvidos, examinados minuciosamente, cuidadosamente investigados,
passado pelos exames necessários, perguntados, inquiridos. Algumas atitudes
comportamentais poderiam ser proibitivas a que alguém se tornasse membro.
Dentre as principais práticas desqualificadoras estavam: fumar, beber,
comerciar bebidas alcoólicas, profanar o dia do domingo - trabalhar ou vender
nesse dia -, praticar a mendicância. Ser menor de idade necessitava de
autorização dos pais ou responsáveis.
Para convencer a congregação, o candidato precisava
ser claro, estar convicta de sua nova posição religiosa, ter o poder de
convencimento. Era a congregação que julgava satisfatório ou insatisfatório o
depoimento. Mediante o julgamento, alguém propunha a aceitação da pessoa e o
restante da igreja votava pelo sim ou pelo não. Os casos que suscitavam dúvidas
ou afrontasse a moral do grupo poderiam ser concedido um tempo para que o
candidato resolvesse a questão ou poderiam ser rejeitados de forma peremptória.
O exemplo a seguir, retirado de Teixeira (1983, p. 151-2) é revelador.
Pregando na Igreja Formosa Jerusalém - RJ
Quanto à sua
profissão, respondeu que devido ao seu estado físico, completamente aleijado,
vive de esmolas, o que faz nos lugares populosos, em atenção aos transeuntes
que lhe estendem a mão. O irmão J. F. fala sobre a profissão de fé do candidato
dizendo que não seria contra a aceitação do mesmo, não fosse a sua profissão que
torna o evangelho muito humilhante, e uma vez que a Igreja não poderá sustentar
o candidato ou arranjar outra profissão, vota contra a aceitação do mesmo,
estando, porém a qualquer tempo disposto a aceitá-lo caso venha a arranjar
outra ocupação mais lícita (TEIXEIRA, 1983, p. 151-2).
De todos os rigores relativos à entrada de alguém
na membresia de uma igreja batista quando o assunto envolvia a sexualidade era
ainda mais complicado. O caso de Ribas, logo abaixo, pode revelar que ele já
havia feito um pedido para ser aceito na comunidade e deve ter recebido a
orientação de deixar seu relacionamento com a mulher com quem vivia até aquela
data. Tendo deixado a relação, contudo ainda fazia suas refeições bem como
tinha suas roupas lavadas pela ex-mulher. Não foi aceito.
[...] para tratar se
o irmão Ribas podia ser batizado, consentindo em vir comer na casa da sua ex
amasia e esta continuando a tomar conta por algum tempo da limpeza ou asseio de
sua roupa [...] a igreja achou conveniente ele não ser batizado agora, pelo que
um irmão fez moção n'este sentido a qual depois de favorecida foi aprovada
contra 4 votos (PIBB, Ata 234, Sessão extraordinária 137, 20/09/1892).
Se para ser membro era necessário estar afastado de
um relacionamento conjugal não aceito pela moral da comunidade, ser membro da
igreja e começar esse tipo de relacionamento era motivo de expulsão. Tal ato
representava infidelidade, relacionamento ilícito, má conduta, crime.
[…] o irmão João
Batista […] falhou em termos claros ao Sr. Simões, dizendo-lhe que retiraríamos
a mão de fraternidade se ele não justificasse o seu procedimento com a Igreja,
e deixasse a mulher com quem vivia ilicitamente […] Moção para expulsar o Sr.
Simões da Comunhão da Igreja por causa da sua infidelidade […] viemos a passar
da má conduta do errante irmão cheio de crimes e falsidades […] votar a
expulsão justa do dito Simões […] votaram todos para que ele fosse expulso,
exceto um, (PIBB, Ata 34ª, 13ª Seção ordinária, 07/06/1884).

Pastora, Maria Valda na GRACE INTERNACIONAL -
BRASIL - S. PAULO
A questão sexual e o protestantismo no Brasil
tiveram contornos históricos interessantes. Em parte, os rigores dos
missionários sobre a sexualidade e a pertença à membresia de suas igrejas podem
ser entendidos, além das restrições religiosas que trouxeram de suas terras,
pelos impedimentos da legislação em vigor no Brasil. Somente em 1861 é que o
Império decretou que os ministros acatólicos – daqueles ramos religiosos já
considerados tolerados – podiam se habilitar para fazer casamentos com direitos
civis. Os Decretos 1.144 de 11 de setembro de 1861 e 3.069 de 17 de abril de
1863 estão entre as primeiras legislações sobre o casamento de religiosos não
católicos. O Decreto 1.144 tornava extensivo o efeito civil dos casamentos
celebrados de acordo com as leis do Império àqueles que professoravam uma
religião diferente do Estado. O Decreto 3.069, a partir dos Artigos 52, além de
regular os casamentos acatólicos, também regulava os nascimentos e óbitos de
protestantes e outros acatólicos. Ainda assim, algumas autoridades desconheciam
ou ignoravam tais Decretos. Um exemplo disso aconteceu em Recife em 1873,
quando um subdelegado proibiu uma reunião de protestantes da Igreja
Congregacional acusando-os de terem cometido o pecado de prostituição em
virtude da realização de um casamento pelo pastor Robert Kalley. Joyce
Every-Clayton (2004, p. 458) escreve que o dito subdelegado “nada sabia da lei
do Império que autoriza o casamento acatólico”, e, por desconhecer o Decreto
“não quis saber ou acreditar” quando os fiéis lhe narraram que podiam realizar
o casamento baseados em lei.
Diversos foram os casos em que um candidato a
membro teve que esperar até que sua situação matrimonial fosse resolvida, como
foi com a senhora Maria Palmira Gallo. Ter fé e saber expressar-se com
desenvoltura, convencer as pessoas da sua conversão ficava em segundo plano
quando o assunto casamento não estava ainda resolvido. Sabemos que quando um
ato é condição para a realização de outro, aquele é mais importante que o
segundo. Dessa forma, o casamento se tornou mais importante que o batismo.
A convite do irmão
moderador e pastor Taylor, reuniram-se a igreja em sessão extraordinária [...]
foi apresentada a Senhora. Maria Palmira Perª Gallo [...] a qual mostrou
exuberantemente a sua fé [...] mas não foi recebida para o batismo por morar
ainda na casa do seu ex-amasio, e como pretende casar-se com ele, a igreja
aguarda o seu batismo até que se efetue o seu casamento […] (PIBB Ata
242, Sessão extraordinária 142, 13/12/1892).

Pastora, Maria Valda em Belford Roxo - RJ
Dando Estudo para Mulheres.
Outro exemplo, em 03 de setembro de 1885, Maria
Magdalena dos Santos pediu o batismo. Ainda que tenha sido aprovada pelo voto
da Igreja, a cerimônia foi adiada sob condição de terminar seu relacionamento
que mantinha até então. Dois meses depois ela foi batizada. Em outras palavras,
a separação cancelava automaticamente a proibição: “[…] para ouvir […] D. Maria
Magdalena Dos Santos […] foi recebida, isto é, ficando adiado o recebimento
para o dia que terminasse o seu casamento, ser batizada […] foi batizada […] no
dia 5 de Novembro de 1885”, (PIBB, Ata 79ª, 52ª Seção extraordinária). Mais
esclarecedor ainda é o exemplo de Maria Magdalena Bastos (PIBB Ata 232, Sessão
extraordinária 135, 06/09/1892). Ela havia pedido o batismo a primeira vez e
fora recusada. A igreja fez algumas exigências que ela deveria cumprir –
resolução de sua situação marital. Tendo cumprido com as exigências, já não deveria
ter impedimentos. Morando com o seu segundo marido, teve que deixá-lo por
recomendação da igreja, porém, quando pediu pela segunda vez seu batismo,
tornou ser recusada.
[...] se devia ou não
ser de novo ainda a irmã Maria Magdalena Bastos. Discutiu-se bastante sobre
este assumpto, sendo quase toda a igreja de parecer que a dita irmã fosse unida
em virtude de ela ter vindo arrependida, confessando que a sua segunda união
nupcial não estava ou não é autorizada pela Palavra de Deus e que ela conhecendo
isto deixou o seu suposto marido; porém o irmão Salomão pastor da igreja [...]
não concordou com a união da referida irmã, pelo que convidando ao irmão Jorge
para tomar assento na cadeira de moderador, fez moção para ela não ser aceita
em vista de se achar gravida em consequência dessa falsa união; a qual moção
depois de favorecida foi aprovada.
Um procedimento que se tornou usual foi realizar,
casamento e batismo no mesmo dia. Em 1884 o batismo de Dorea e Heduviges foi
precedido pela cerimônia de casamento dos dois.
As 8 ½ horas da noite
do dia 9 de agosto do ano corrente […] para ouvir e atender a petição dos
candidatos – sr. Dorea e sua Sra. Heduviges […] em 1º lugar foi ouvido o sr.
Dorea […] foi o dito Snr. Recebido para batismo […] Em 2º a Sra. Heduviges […]
foi recebida unanimemente […] Concluídos estes trabalhos, o irmão Taylor
levantou uma moção para ser inserido na acta d'esta secção um voto de
agradecimento e reconhecimento ao sr. Dr. Freitas, pelo modo digno e louvável
com que se portou depois do ato do casamento dos irmãos acima mencionados […]
irmão Dórea e sua Sr.ª foram batizados na mesma noite (Ata 40ª, 28ª
Seção extraordinária, 09/08/1884).

Pelo relato a seguir, depreende-se que Daniel
Vieira e Anna Maria da Graça foram batizados no mesmo dia em que o pastor
Salomão Ginsburg os casou. Primeiro, porém, o casamento, depois, o batismo:
“Foram casados religiosamente pelo pastor Salomão os candidatos ao batismo
Daniel Vieira da Silva e Anna Maria da Graça e nesta ocasião foi feita uma
moção para a Igreja ser sempre consultada sobre qualquer casamento celebrado
pelo pastor desta Igreja, sendo aprovada (PIBB Ata 228, Sessão ordinária 98,
08/08/1892)”. José Clodoaldo teve que mostrar um documento de registro de
casamento civil realizado no dia anterior para poder ter o seu batismo
efetuado:

Bispa Vânia Martins e a Pastora Sheila Magalhães
Ministério - SAL DA TERRA - RJ
Depois do culto da manhã […] para ouvir-se José
Clodoaldo de Souza […] foram feitas moções para serem os ditos candidatos
recebidos […] Foi reconhecido, pela Igreja em seguida o casamento do candidato
José Clodoaldo de Souza com a senhora D. Cândida das Virgens Leite, o qual teve
lugar pelo civil no dia anterior, (PIBB, Ata 258, Sessão extraordinária 154,
28/05/1893).
A QUESTÃO DO RIGOR QUANTO À MULHER
Já vimos de uma forma geral, os rigores que a
igreja fazia para a aceitação de qualquer pessoa entre seus membros. Estavam
sob interdição: comerciantes, homens, mendigos, pessoas que moravam longe e
aqueles que se afastavam. No entanto, nenhuma forma de rigor se aproximou ao
procedimento que a igreja tinha para com as mulheres. Tal fato merece um
tratamento especial e é o que nos propomos a fazer agora.

Pastora, Maria Valda e Miss. Paulina - Petrópolis - RJ
Houve uma moção para
que se reunissem os irmãos e se unissem em oração cada 3ª feira [“...] tendo
sido aprovado por unanimidade de votos, como clausula de não ser como reunião
da Igreja, mas como membros reunidos, onde as irmãs podem falar”. “Foi
interrogado por um irmão, porque as irmãs não podiam falar nas secções? O
Senhor Moderador declarou que na ata antecedente já tem uma reunião especial
onde as Sras. podem falar. Foi adiado este assumpto para outra seção e
submetido a consideração de todos os irmãos (PIBB, Ata 10ª, 6ª Sessão
extraordinária).
Há um problema no registro de Ata acima, pois que
não se conhece qualquer decisão que já tenha sido tomado onde as mulheres
poderiam falar. Além disso, o adiamento da discussão do assunto com a promessa
para outra sessão não foi cumprida até alguns anos depois. O uso da voz é
privilégio apenas dos homens. As mulheres são compensadas com o silêncio.
Pergunta-se, então, como seriam resolvidas questões relativas a certas demandas
femininas, faltas aos cultos e coisas assim. Em tais casos, outra mulher seria
designada para visitar a mulher faltante. Foi assim que a senhora Bagby foi
encarregada a fazer uma visita à senhora Emília Maria: “tendo comprido seu
dever à irmã da comissão para procurar a irmã Emília Maria, a Sra. Bagby, foi
desencarregada da dita” (PIBB Ata 18ª, 9ª Sessão ordinária, 03/01/1884). Essa
prática continuou durante os anos seguintes. Em 07 de Dezembro de 1885 uma nova
comissão que deveria ser formada para visitar as faltantes. Já sabemos que elas
não podiam falar, nem ao serem nomeadas, nem na volta com a entrega do
relatório. A saída, nesses casos, era o homem falar por sua mulher e colocá-la
na comissão. A mulher, pacificamente, acatava a decisão do marido que era
aprovada, naturalmente por outros homens, pela igreja: “tratou-se da irmã
Saturnina e foi nomeada uma comissão das irmãs a ela, pelo que o irmão Antônio
Marques ofereceu sua mulher, o irmão Borges a dele e o irmão João Batista a
dele” (PIBB Ata 86ª, 33ª Sessão ordinária). Na volta, da visita, a esposa
relatava ao seu marido o que acontecera com a mulher visitada, as conversas, as
decisões e a opinião da comissão visitadora. Feito isso, o marido vinha até a
igreja e relatava o que sua esposa havia falado em particular. O homem tinha a
voz de mando, o direito da indicação para visitar. Depois, tinha o direito de
ser o porta-voz da esposa na prestação de contas, em dar o relatório para a
igreja. A mulher falava pela fala do marido. Visitar mulher era coisa de mulher
por indicação do marido. Criar a comissão, incumbir a mulher da tarefa a ser
feita, dar o relatório e propor alguma decisão à mulher faltante mediante o
relato da esposa eram tarefas masculinas.
Pastora
Joyce Meyer
Em 02 de Maio de 1887 a igreja decidiu criar
comissões de mulheres com objetivos específicos de visitarem outras mulheres:
“[...] foi proposta outra comissão pelo irmão Antônio Marques,
das irmãs, para visitarem outras irmãs que estão negligenciando o
culto publico de Deos”, (PIBB, Ata 127ª, 50ª Sessão ordinária). A
longevidade do silêncio obrigatório das mulheres tomada em 1883 perdurou vários
anos. Em 1889, seis anos depois, tais práticas ainda se achavam em vigor, como
se pode depreender da Ata do dia 12 de maio. O senhor Hilário tinha oferecido a
sua mulher. Aprovado o oferecimento, ela visitou a senhora Maria Josepha. Na
volta, falou ao seu marido. Ele deu o relatório e propôs a eliminação da dita.
Proposta unanimemente aprovada:
[...] a comissão
composta das irmãs D. Faustina e D. Felismina para investigarem o proceder da
irmã D. Maria Josepha declarou por intermédio do irmão Hilário, que a referida
irmã não se quisera prestar de modo leal à administração das supracitadas [...]
sendo levantada a moção pelo irmão Hilário, para ser eliminado a dita, o que
foi unanimemente aprovada (PIBB Ata 162ª, 69ª Sessão ordinária).

Importações e transplantes
O rigorismo com os membros em geral e com as
mulheres em particular não se originou no Brasil. É bom que se diga isso para
não parecer com aqueles discursos muitas vezes feitos por moralistas
protestantes em visita pelo Brasil. Na verdade, o rigor foi uma prática que o
missionário trouxe de suas terras. Por lá, a mulher também não tinha muito
liberdade na igreja. Certa liberdade de ação para a mulher era algo
recentemente adquirido. Parece que Charles Finney (1792 – 1875), por volta da
segunda década do século dezenove foi um dos primeiros a permitir a
participação da mulher orando em voz alta. A decisão foi tão escandalosa para
aquele tempo que muitos protestaram e o acusaram de semear discórdias entre a
igreja.
Depois de Finney, Moody (1837 - 1899) foi o
primeiro a criar uma escola de treinamento teológico para moças. Ele fez isso
em 1879, ano em que os primeiros missionários batistas estavam praticamente se
dirigindo para o Brasil. Somente depois de Moody é que são criadas as
sociedades cristãs de moças e outras sociedades missionárias femininas. As
primeiras mudanças experimentadas quanto ao papel da mulher nas igrejas
norte-americanas ainda estavam começando a dar seus primeiros passos. É
provável que nem mesmo os primeiros missionários tivessem conhecimento dessas
novas práticas ou que com elas concordassem. Aqui, eles preferiram continuar
praticando todas as coisas que tinham visto e aprendido em suas igrejas nos
Estados Unidos.

Entre os Grandes da Terra de Jeová
Só Jesus Faz isto e Mais NINGUÉM!
Mas buscar nas práticas das igrejas
norte-americanas o fundamento histórico das práticas implantadas e
transplantadas nas igrejas brasileiros ainda é pouco. É possível, então, ir-se
mais longe e perguntar se essas mesmas práticas são originárias dos Estados
Unidos ou foram implantadas nas igrejas de lá pelos peregrinos vindos da Europa
da mesma forma como fizeram os missionários aqui. Raciocinar dessa forma parece
um apelo para um regresso ao infinito. Porém, é possível encontrar os germes
históricos dessas práticas na sociedade europeia. É o que passamos ver a partir
de agora. Para tanto, vamos buscar em outro autor, Habermas, fora do contexto
eclesiástico o fundamento das práticas das igrejas batistas.
A questão da mulher e o rigor com a qual é tratada
podem ser vista arqueologicamente na formação da sociedade burguesa na Europa.
Para Habermas (2000), desde o século XIII começou-se a se desenvolver a
sociedade que tomou as conformações em nosso tempo. A esse tipo de sociedade
ele chama de sociedade burguesa. Ainda que não seja objetivo do autor tratar
especificamente da mulher, ali aparecem, em forma de apontamentos, noções sobre
a vida familiar – esfera íntima da esfera privada – e a condição da mulher.

Miss. CLARA MARIA da ADMEP - Rio de Janeiro
Na sociedade burguesa ou esfera pública burguesa as
pessoas exercem um papel fictício. Na verdade, como tratado por Habermas, à
esfera pública burguesa é o local dos homens livres, que conseguiram sua
emancipação do poder estatal. Por outro lado, a sociedade de homens livres é a sociedade
de possuidores de bens, tanto materiais como humanos. Nesse sentido, a mulher,
como as coisas, passa a fazer parte dos bens dos homens. Isso quer dizer que a
sociedade ainda pode ser entendida muito particularmente como a sociedade dos
homens – do masculino. Essa sociedade chegou aonde chegou através da luta
contra as autoridades feudais e contra a autoridade real. Para tanto, a
literatura exerceu um papel importante nessa mediação. A literatura surgiu,
inicialmente, como forma de anotações e registros que os comerciantes,
recentemente saídos do sistema feudal, precisavam fazer entre si e para si
mesmos. Nessa fase pré-capitalista, era necessário anotarem-se as trocas de
mercadorias, informações e até mesmo os lucros justos.
Foi por esse século (XIII) que começaram a surgir
às cidades que se destacavam em virtude das realizações de feiras periódicas.
Com o tempo, as cidades mais importantes passaram a ter, da categoria de feiras
periódicas, feiras permanentes e depois, mercados. Logo se descobriu a
necessidade de regulação de troca de mercadorias entre cidades, ou melhor,
dito, inaugura-se o comércio exterior. A partir de então, surgem os Estados
modernos, que acabam por servir como instâncias reguladoras entre os
comerciantes. Para exercer o seu papel regulatório, o Estado acabou por forjar
sua própria identidade: o uso da força e a cobrança de impostos. Contudo, a
literatura baseada na informação e voltada para os negócios, passou a tratar de
outros temas. Com isso, ela mesma se autonomizou, dando início aos correios,
onde a comunicação entre as pessoas passou a tratar de tudo. Tudo isso faz
parte do conjunto de mudanças experimentadas pelas cidades e as novas funções e
conformações culturais que daí resulta.
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Pastora, Maria Valda e Pastora Lene Porto de Cambuí-MG |
Com as diversas mudanças nas cidades, o Estado
passou a regular as ações, o comércio, a literatura, os jornais, enfim, tudo.
Surgiram, por esse tempo, as diversas sociedades – cafés, salões e outros –
onde a literatura era discutida. Essas diversas sociedades ajudaram a que
surgissem outras formas de associações e de expressão: música, teatro,
concertos, lançamentos literários, cartas etc. Para funcionar, elas precisavam
de regulações estatais, sem serem, contudo, extensão do Estado. Funcionavam
regulamentadas pelo Estado contra o próprio Estado. Tais sociedades tinham na
maçonaria a forma e origem de existência.
A esfera privada, nesse caso, representava a
reunião de pessoas privadas reunidas em um espaço público com a proteção e
regulação governamental. Na França e na Alemanha essas sociedades procuram
superar as desigualdades sociais que se vivia na vida dentro do Estado. Fora do
Estado todos eram considerados iguais, prática que talvez se justificasse suas
reuniões em segredo e com proteção legal do poder estatal. Elas precisam de
legitimidade e garantias de funcionamento. Essa igualdade social, juntamente
com a polidez do trato, o abandono da sacralidade dos temas a serem tratados
estão entre as principais características dessas sociedades.
Mesmo que essas sociedades – teatros, salões,
cafés, igrejas – fossem baseadas em certa pulverização das desigualdades de
classes, elas mantinham, porém, critérios rígidos para que alguém delas fizesse
parte, dentre as principais: ser adulto, ser aceito, saber discutir, ter posse.
Nessas reuniões discutiam de tudo, da vida privada à economia, vida social e
política. Inicialmente, a crítica se baseava nas obras literárias. Era
necessário, portanto, possuir o domínio da razão para a participação do
indivíduo. Talvez, por isso, as mulheres estavam alijadas de tais sociedades.

Levando a
Palavra no Ministério Nova Jerusalém
|
Discute-se o público
em público sem a onipresença do poder público. Assim, o raciocínio nascido das
obras de arte e políticas, logo se expande também para disputas econômicas e
políticas, como nos salões, garantindo a sua inconsequência imediata. A isso também
pode estar relacionado o fato de que à sociedade dos cafés somente eram
admitidos homens, enquanto que o estilo do salão, todo rococó, era
essencialmente marcado pela influência feminina. As mulheres da sociedade
londrina, abandonadas a cada noite, também ensaiaram então uma luta enérgica,
mas inútil contra a nova instituição, (HABERMAS, 2000, p. 48).
O alijamento da mulher da sociedade burguesa, e por
consequência, da sociedade dos homens pode ser justificada através da natureza
secreta de tais sociedades. Ser fechada ao público em geral, ao governo e
especialmente à mulher, pode ser uma herança vinda de uma das mais antigas das
sociedades secretas europeias, a maçonaria. Sem se afirmar definitivamente que
o silêncio da mulher na igreja protestante seja uma herança adquirida da
maçonaria, não se pode, contudo, descartar tais ideias. Sabemos que em algumas
igrejas as mulheres, quando admitidas, sentavam-se em lugares especiais ou em
separado. O silêncio, porém, lhes era exigido.
Ainda que não se afirme diretamente a descendência
maçônica das práticas misóginas da igreja protestante, não se pode negar-lhe
pelo menos alguma influência. As igrejas protestantes, como as demais
sociedades formadas contemporaneamente à Reforma, tinham seus rituais para
participação de seus frequentadores: ser adulto, não participar em qualquer
esfera do sistema governamental, fazer uma profissão pública de fé e ser
batizado. A participação nos rituais das igrejas – principalmente das seitas –
como a ceia, era ainda mais parecido com os rituais das sociedades secretas.
Ainda se podem ver outras semelhanças entre a
igreja protestante e as sociedades secretas – coffee houses, salões
– como o ato de mandar cartas informativas entre elas, como aconteceu com as
firmas comerciais que se internacionalizavam. Além disso, como a igreja
protestante tende a esposar a mentalidade de classe média, da mesma forma que
se faziam distinções sociais para se aceitar como membro de uma das sociedades
europeias, distinções sociais – saber ler, por exemplo, ou ser empregado –
distinções semelhantes foi feitas a quem postulava entrar numa das igrejas.
Assim, da mesma forma que os cafés herdaram os temas que a aristocracia e
intelectualidade europeia discutiam, a igreja, em suas reuniões de negócios –
sessões – discute, com suas portas fechadas, seus negócios internos.
A igreja, por mais boa vontade ou romanticamente se
olhe para ela como agente divino, não se pode negar que ela esposa as mentalidades
que a sua própria historicidade vive e lhe apresenta. Tanto a apresentação como
a sua historicidade são elementos norteadores e limitadores daquilo que a
igreja vê, compreende e faz no seu presente. Não é segredo, portanto, que a
igreja imita, em parte, as práticas sociais da sociedade, tanto das pessoas
como das organizações comerciais, políticas e econômicas do seu tempo.
Por tudo isso, ainda que a igreja reivindique achar
versículos bíblicos e basear suas práticas em tais versículos, suas práticas
são, acima de tudo, ligadas à história. Isso serve para suas interpretações
quanto ao fato de o negro ter ou não alma, dos pobres, da justiça social,
política, econômica e das mulheres. Não é segredo, por exemplo, que os
batistas, desde o seu surgimento, já passaram do calvinismo para o
arminianismo, do presbiterianismo para o calvinismo, do avivalismo para o
tradicionalismo, da rejeição do governo na Europa para ser governo na América
do Norte, de aspersionistas para imersionistas. Em cada uma dessas fases, essa
igreja reivindicou basear-se em princípios infalíveis e hermenêutica saudável
no manuseio da Bíblia. As mudanças, contudo, não são rápidas e pacíficas. Como
a sociedade burguesa habermasiana, formada por homens livres do poder estatal,
as mudanças no interior de uma igreja como a Batista se dá através dos séculos,
com discussões podendo décadas – algumas duram pouco tempo – e através das
lutas entre os diversos grupos e seus interesses.
Elias (1993), no entanto, vai ainda mais longe. Sua
abordagem histórica acerca das relações entre homens e mulheres chega até o
século nono. Segundo escreve, a sociedade europeia daquele tempo
caracterizava-se pelo homem cavaleiro, dono de terra, guerreiro, portanto, sem
qualquer necessidade de mostrar atitudes de cavalheiro. A delicadeza,
principalmente em se tratando de mulheres, não era vista como uma virtude.
Segundo Elias (1993, p. 76) a sociedade medieval tinha, em todo lugar, fortes
traços da dominação masculina, e, ao mesmo tempo, um “parcial eclipse das
mulheres”. Esse autor é de opinião que as questões tidas como fundamentais e
até necessárias nas relações entre os homens nos séculos vinte ou vinte e um
são fruto de séculos em que os costumes foram se modificando e as pulsões e
paixões passaram por um processo de vigilância muito grande.
Ainda que se conheçam relatos de que, desde o
século doze em algumas cortes na França a mulher tinha tantas oportunidades
quanto o homem, como ser senhora feudal, possuir propriedades e até desempenhar
papel política. Mas, devido à função guerreira, o que predominava era que o
homem, seja ele camponês ou rei, não era dado a tratar a mulher com qualquer
recato. Em todos os casos, o homem mandava e não se faziam quaisquer disfarces
para que o mando masculino fosse de alguma forma, velado ou particular. Ele não
fazia distinção entre sua esposa e outra mulher, principalmente se fosse de
classe inferior. Naqueles tempos, a mulher sofria de um desprezo explícito. Não
eram raros os relatos de esposos que espancavam suas mulheres, como no seguinte
relato de Elias (1993 p. 75-6):
Parecia ser um
hábito, quase tradicional do cavaleiro, enraivecendo-se, socar a esposa no
nariz até o sangue correr. “O rei ouviu isso e a raiva coloriu lhe o rosto;
erguendo o punho, atingiu-a no nariz com tal força que tirou quatro gotas de
sangue. E a senhora disse: “Meus mais humildes agradecimentos. Quando lhe
aprouver, pode fazer isso novamente”.
Nesse tempo, ouvir o conselho de mulher, mesmo
sendo esposa, era vergonhoso. O homem que ouviu conselhos de uma mulher era
expor-se a ser censurado. A sociedade medieval deixava bem claro o espaço do
homem e da mulher. A qualquer mulher que ousasse se dirigir ao homem com alguma
sugestão deveria ser lembrada de que seu lugar era nos aposentos mais íntimos
da casa, junto com outras mulheres. “Senhora, retire-se para o seu lugar e coma
e beba com sua corte em suas câmaras pintadas e douradas, ocupe-se em pendurar
cortinados de seda, pois esse é o seu senhor. O meu é cortar com espada de aço”
(ELIAS, 1993, p.76). O lugar da mulher era a câmara enfeitada, na privacidade
de seus aposentos, o do homem, a guerra.
Ser cortês, naqueles tempos, ter uma atitude
cortesã, só em casos excepcionais. Quando tais atitudes se davam, ficavam
restritas aos círculos das grandes cortes feudais. O normal, naquele tempo, era
a atitude brutal e desrespeitosa para com a mulher. Segundo o nosso autor,
essas atitudes duraram até cerca do século dezesseis. Enquanto a sociedade era
dominada por uma classe guerreira, militar e agrária, prevaleceu à dominação
acintosa do homem sobre a mulher. Daí não ser tão estranho que a
sociedade da qual Habermas trata dar conta de clubes e sociedades masculinas
que vedavam à mulher qualquer participação, como vimos anteriormente.
A modificação no comportamento e no trato foi-se
modificando lentamente ao longo dos séculos em que o comércio e o uso de moedas
foram sendo popularizados, à proporção que as cidades foram crescendo em volta
da corte, quando a sociedade não precisou mais viver em função da guerra e o
cavaleiro passou a estar mais presente na sua própria sociedade. Essa mudança do
centro de gravidade das relações nas cortes foi motivo também para uma lenta,
mas contínua mudança nas relações entre os homens e mulheres. Como explica o
nosso autor (1993 p. 77-8): “em todas as ocasiões em que homens são obrigados a
renunciar à violência física, aumentou a importância social das mulheres”. A
mulher, portanto, ganha mais importância a partir da existência de uma
sociedade pacífica. Nesta ela pode estudar, cultivar uma vida intelectual e
voltar-se para áreas como estética e luxo.
Na sociedade da qual Elias se dedica a expor,
sociedade dominada pelo homem, as relações afetivas também precisam ser vistas
naquela perspectiva. Não só o tratamento físico tendia a ser violento, quanto à
demonstração de sentimentos também era inexistente.
[…] homem a conter
suas pulsões e a impor-lhes controles. Pouco se falava de “amor” na sociedade
guerreira. E ficamos até com a impressão de que um homem apaixonado teria
parecido ridículo nesse meio de guerreiro. De modo geral, as mulheres eram
consideradas inferiores. Havia mulheres em número suficiente e elas serviam
para satisfazer as pulsões masculinas nas suas formas mais simples. As mulheres
eram dadas ao homem para “sua satisfação e deleite […] O que eles procuravam
nas mulheres era o prazer físico e, à parte isso, “dificilmente se encontrava
um homem com paciência para aturar a esposa” (ELIAS, 1993, p. 78).
As relações afetivas como demonstração de amor, o
elogio à beleza feminina, para esse autor, acontecia quando o homem de classe
inferior se referia à mulher mais elevada socialmente. Nos outros casos,
prevaleciam a dominação, não os afetos “era apenas o relacionamento de um homem
socialmente inferior e dependente com uma mulher de classe mais alta que dava
origem à contenção, à renúncia e à consequente transformação das pulsões […] o
que tornava a mulher inacessível, ou acessível apenas a duras penas e, talvez
porque fosse ela de classe mais alta e difícil de conquistar, especialmente
desejável” (ELIAS, 1993, p. 79). Por esse relato vê-se que o sentimento e a
linguagem do amor tiveram um contexto todo particular. Tão raro nas eras
medievais, com o tempo passou a ser uma atitude essencial nos relacionamentos
entre homem e mulher nas sociedades mais recentes. Dito de outra forma, a cortesia
nas relações do homem e da mulher teve o seu fundamento entre os membros
socialmente mais dependentes da sociedade em relação a uma mulher pertencente a
uma classe socialmente superior.
Georges Duby (1996) é outro autor que pode nos ajudar
na formação e formatação desse imaginário masculino sobre a mulher. Esse autor
fez uma pesquisa buscando descobrir o que as mulheres faziam no século doze na
França, o que falavam como riam como se comportavam. Pouca coisa descobriu. As
mulheres não “falavam”. Os homens falavam dela. E mal. A mulher era a portadora
do pecado. Cabia ao homem manter-se afastado dela. A mulher não apenas tinha
trazido o pecado ao mundo através de Eva, ela aumentava o pecado através de
seus pecados. No seu livro, Duby mostra os escritos dos teólogos e
doutrinadores do século doze ensinando os homens a como se portar e comportar
diante da mulher. E, quando se dirigem à mulher, estão cheios de recomendações
e recriminações. Lembremos aqui que no século doze é praticamente impossível
pretender que algum outro autor ou conselheiro que escreva o faça longe dos
mosteiros ou das catedrais europeias.
Nesses escrito, o homem, era sempre o possuidor da
razão, a mulher, possuidora da inconstância, do pecado, do fogo, das tentações.
O homem, possuidor de direitos. À mulher cabia a resignação e o entregar-se.
Ser dominada e domada era o destino da mulher. Por isso mesmo, para o homem
manter-se puro, não lhe ficava bem os bons modos, as boas maneiras. Mostra
disso está num conselho dado aos homens sobre as maneiras corretas de se
aproximar de uma mulher. “Se, pela sua categoria, tiver mais privilégios do que
ela pode sentar-se junto dela sem lhe pedir licença; se for da mesma categoria,
pede-lhe e, com o seu acordo, senta-se perto dela, mas nunca sem isso”, (DUBY,
1996, p. 161).
À mulher são atribuídos os piores pecados da
humanidade, principalmente aqueles referentes à sexualidade. Já que é colocada
em posição inferior em relação ao homem, explica-se porque os homens tinham
tanta liberdade quanto ao sexo. O sexo é um privilégio que o homem pode usar
livremente, ao passo que tais direitos eram negados à mulher a ela. “Se, por
acaso, tiveres atração por labregas, evita lisonjeá-las” - escreve um teólogo,
monge e capelão chamado André no final desse século, 1186 - […] se encontrares
ocasião favorável, não hesites em satisfazer o teu desejo, toma-a pela força
[…], é preciso obrigá-las e curá-las do pudor que têm”, (DUBY, 1996, p. 160).
Se o homem tiver vontade de possuir uma mulher, pode forçá-la a ter relações
com ele contra a sua vontade. Um homem, ao obrigar a mulher, ele estará lhe
fazendo um favor, curando-a do pudor que ela porventura venha a ter. A atração
que um homem viesse a sentir por uma mulher de classe inferior, não devia, no
entanto, ser manifestada de forma visível. Homem de classe superior estava
proibido de sentir afeição ou amor por mulher inferior. É preciso, portanto,
evitar os elogios, o carinho.
Agora, não estamos mais diante do marido que pode
espancar sua mulher até lhe tirar o sangue. Isso faz parte de uma legislação
posterior, já faz parte dos bons modos. Estamos tratando de um tempo em que o
homem, contanto que seja socialmente superior à mulher, pode tomar-lhe a
satisfazer-se. Aqui não inclui qualquer ligação familiar. Não envolve
sentimento. Impera a vontade, o desejo. Não é o marido que tem a autoridade
sobre a esposa, é o homem dotado de vontade que usa sua posição social para
satisfazer-se.
As relações românticas ou a presença do sentimento
amoroso da mulher para com o marido ou do marido para com a esposa deve ser
experimentada com cuidado. Apaixonar-se demais pela esposa é pecado, recomenda
o monge André. O homem que ama muito a sua esposa adultera contra ela, pois
começa um amor dividido, pela esposa e por Cristo. Por sua vez, a mulher não
deve amar muito a seu marido, visto que, espiritualmente, ela pertence a outro
marido, o marido espiritual, Cristo. Ela deve entregar seu corpo a seu marido,
mas tendo sempre em mente que deve entregar seu espírito ao outro marido, ao
outro senhor. Dessa forma, a mulher é sempre esposa de dois maridos, um carnal
e outro espiritual.
Pelo fato de a mulher ser sempre condenada desde o
éden por sua luxúria, ela perdeu o privilégio de ter prazer na sua sexualidade.
Portanto, deve viver para seu esposo e satisfazer-lhe os desejos, que são
santos. No entanto, ao homem é dado o privilégio de poder experimentar relações
sexuais com outra mulher além da sua esposa. É o próprio André, monge e teólogo
quem pergunta e responde acerca do compartilhamento do corpo da mulher com
outro homem e do homem com mais de uma mulher.
Será permitido a uma
mulher dividir-se por dois amantes? Claro que não. “Isso é tolerado nos
homens porque está nos seus hábitos e porque é privilégio do seu sexo realizar
de boa vontade o que, neste mundo, é desonesto por natureza. Mas numa dama,
o pudor que a reserva do seu sexo exige torna esta conduta tão culposa que
depois de se ter dado a vários homens se torna indigna de ser admitida na
companhia das damas” (DUBY, 1996, p. 179, itálicos meus).
Os comentadores, professores, juristas,
doutrinadores do século doze eram, todos eles, padres, monges e bispos. Eles
formavam uma classe de homens diferente dos outros homens. Homens de Deus.
Homens, por conseguinte, superiores aos outros homens. Homens que, ainda que
vivendo neste mundo, não são deste mundo. Homens assexuados. São exatamente
esses homens, espirituais, homens de Deus, sem mulher que ensinam e interpreta
o mundo para os homens deste mundo, homens do mundo e no mundo, homens que
vivem com e entre as mulheres. São esses homens que, em boa parte deles, nunca
experimentaram o sexo com uma mulher, sentem, no entanto, no corpo os mesmos
desejos de um homem normal. Por isso mesmo, a mulher passa a ser sempre um
espaço de tentação, sujeitas, portanto, a todo tipo de julgamento depreciativo,
negativo. Homens de Deus que têm medo de mulheres. Misóginos. No entanto, são
esses mesmos homens que orientam, dão a base e a sedimentação para que o homem
que tem mulher ou que com ela se relaciona saiba como se comportar, saiba o que
e como fazer com a mulher. De alguma forma, a relação e o imaginário ocidental
moderno sobre a relação homem e mulher tem um fundamento religioso, o
fundamento católico. O protestantismo não mudou nem sugeriu qualquer mudança
nessa relação. Como tantas outras coisas, adotou algumas práticas do
catolicismo que rejeitava como práticas dentro de suas igrejas.
CONCLUSÃO - Investigamos os fundamentos da proibição da mulher
falar em uma reunião pública da igreja batista em Salvador, para tanto, nossa
hipótese inicial era que tal prática doutrinária não tinha necessariamente uma
origem bíblica, segundo alegavam os batistas. Ter origem bíblica e ter
fundamentação bíblica nos parece ser duas coisas bem diferentes. As práticas sejam
elas quais forem – escravidão, pena de morte, proibições alimentares,
casamentos e divórcios – podem ter uma base escriturística, mas são
essencialmente históricos. Aplicaram-se diversos textos bíblicos para
fundamentar tais práticas. Porém, todas as outras práticas que substituíram as
antigas tiveram, igualmente, outros tantos versículos que fundamentavam a
mudança e instalavam as novas práticas.
A proibição de a mulher falar na igreja veio para o
Brasil como uma doutrina das igrejas dos Estados Unidos. Naquele país, conforme
já pontuamos, somente permitiram que as mulheres orassem em voz alta no século
dezenove. Foi nesse século, provavelmente em virtude das condições sociais
impostas pela guerra civil, que se permitiu que as mulheres servissem como
enfermeiras, professoras ou missionárias. Mostramos que as práticas das igrejas
norte-americanas tiveram como fundamento o costume que se praticava nas
sociedades, lojas, clubes e salões da Europa. Nesses salões, as mulheres eram
até mesmo proibidas de frequentar, herança de uma sociedade feudal, senhorial e
guerreira onde os homens tinham o direito divino de mandar e o direito social
de tirar sangue do nariz da esposa. Em reconhecimento, a mulher precisava
agradecer ao marido por lhe fazer este bem.
A proibição protestante trazida da cultura
norte-americana era igual à praticada pela cultura católica portuguesa – tecida
num ambiente machista e moura. O que um povo proibia pela Bíblia o outro
proibia pelo costume. Por motivos diversos, católicos e protestantes criam e
ensinavam as mesmas coisas. Ambos acreditavam no poder divino do homem sobre a
mulher. Um mandava pela força física, o outro acreditava fazê-lo pela imposição
de uma “fundamentação” bíblica. Não foi difícil ao convertido brasileiro santificar
algumas das práticas que já fazia por costume, por tradição. Essas práticas,
contudo, agora estavam santificadas e autorizadas em virtude do uso da Bíblia.
Nesse ponto, católicos e protestantes se descobriram irmãos.

É Jesus que Nos Levanta a Cada Dia!
Eu tenho absoluta Certeza Disto,
Sou Pastora Porque ELE me Convocou ao Seu Ministério!
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*Mestre em
Ciências da Religião (UMESP), Doutor em Sociologia (UnB), Pós-Doutorando
(PUC/GO), professor na Faculdade Teológica Batista de Brasília (FTBB) e
professor convidado da Universidade Federal do Maranhão (UFMA). E-mail: profarau@gmail.com
* * Já
Smyth, Amsterdã, exigia que ao pregar o regenerado não tivesse sequer a Bíblia
à sua frente.
Postado por Zenilda Reggiani Cintra às 16:51
Fonte> http://pastorazenilda.blogspot.com.br/
Postado por Maria Valda às
19:51 19:09:00
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